Em 12 de setembro de 2024, o Banco Central Europeu (BCE) reduziu sua taxa de depósitos em 25 pontos base, fixando-a em 3,5%. Essa medida faz parte de um esforço contínuo para ajustar a política monetária e aliviar a pressão sobre as economias da Zona do Euro. Para entender como essa decisão afeta o mercado português, é essencial explorar não apenas os impactos imediatos, mas também os fundamentos teóricos subjacentes a essas políticas econômicas. Este artigo analisa o efeito dessa medida sob várias perspectivas, integrando as principais teorias econômicas para proporcionar uma compreensão completa dos seus desdobramentos.
A Função da Política Monetária e a Teoria Econômica
Perspectiva Monetarista
A teoria monetarista, defendida por economistas como Milton Friedman, sugere que a oferta de moeda desempenha um papel crucial no controle da inflação e no crescimento econômico. Quando o BCE reduz as taxas de juros, ele está, em última instância, injetando mais liquidez no sistema financeiro, o que facilita o crédito e o consumo. De acordo com o pensamento monetarista, essa injeção de liquidez pode ser benéfica para estimular a economia a curto prazo. Contudo, há um alerta: se essa política for mantida por muito tempo, o excesso de oferta monetária pode eventualmente causar um aumento da inflação.
No contexto português, onde os níveis de endividamento privado já são elevados, a liquidez adicional pode ter efeitos limitados se as famílias e empresas estiverem relutantes em tomar novos empréstimos. O risco de uma “armadilha de liquidez” — situação em que a redução das taxas de juros não consegue estimular significativamente o consumo ou o investimento — deve ser considerado.
Perspectiva Keynesiana
John Maynard Keynes argumentava que, em tempos de baixa demanda agregada, o governo ou, neste caso, o banco central, deveria intervir para estimular a economia. A redução das taxas de juros segue essa lógica keynesiana, buscando estimular o consumo e o investimento ao tornar o crédito mais acessível. Em Portugal, onde o crescimento econômico tem sido tímido, essa política pode ser uma tentativa de reverter a desaceleração econômica ao impulsionar o crédito e o investimento, especialmente em setores como o imobiliário e as pequenas e médias empresas (PMEs).
A queda nas taxas de juros terá um impacto direto sobre o custo do crédito, especialmente no que se refere às taxas Euribor, que são usadas para calcular os juros dos empréstimos hipotecários. Com as taxas Euribor caindo, espera-se que as prestações de empréstimos imobiliários diminuam, oferecendo alívio financeiro para as famílias e liberando renda disponível para consumo em outras áreas.
Curva de Phillips e o Trade-off Inflação-Crescimento
A famosa Curva de Phillips descreve o trade-off entre inflação e desemprego a curto prazo, sugerindo que uma política de estímulo como a redução de taxas de juros pode reduzir o desemprego, mas, ao mesmo tempo, criar pressões inflacionárias. No caso de Portugal, essa política do BCE pode ajudar a reduzir o desemprego, estimulando o crescimento. No entanto, o efeito é potencialmente temporário. Como observou Milton Friedman, a longo prazo, esse trade-off desaparece, e o aumento da inflação acaba por corroer os benefícios obtidos inicialmente.
O BCE está ciente deste dilema e, por isso, embora tenha cortado as taxas de juros, a presidente Christine Lagarde deixou claro que a autoridade monetária está comprometida em manter as taxas restritivas o tempo necessário para garantir que a inflação retorne à meta de 2%. Esse equilíbrio delicado é o que torna a política monetária tão complexa: é preciso estimular a economia sem permitir que a inflação saia do controle.
Impacto no Mercado Português
1. Empréstimos e Financiamentos
O efeito mais imediato da redução das taxas de juros será observado no mercado de crédito. Para as famílias portuguesas que possuem hipotecas a taxa variável, atreladas à Euribor, essa medida traz um alívio financeiro direto. As prestações de hipotecas indexadas a taxas variáveis podem cair substancialmente, o que alivia a pressão financeira sobre as famílias que têm enfrentado o aumento dos custos de vida e inflação.
Para as empresas, em particular as PMEs, essa redução nas taxas de juros significa uma oportunidade de refinanciar dívidas a custos mais baixos, ou mesmo obter novos empréstimos para expansão e investimento. Sob a perspectiva da teoria de Keynes, este é exatamente o tipo de estímulo que pode impulsionar a economia a curto prazo, uma vez que o aumento do crédito pode levar ao crescimento do investimento e da produção.
Contudo, como os monetaristas apontariam, há o risco de que, em vez de promover investimento produtivo, o crédito adicional seja direcionado para bolhas de ativos, como o mercado imobiliário, exacerbando desigualdades de riqueza e pressionando os preços.
2. Mercado Imobiliário
O mercado imobiliário português tem experimentado uma alta demanda e, com a redução das taxas de juros, essa tendência pode se intensificar. Com crédito mais barato, a procura por imóveis pode crescer, aumentando ainda mais os preços, particularmente nas grandes cidades como Lisboa e Porto, onde a oferta de habitação já está restrita.
Essa dinâmica pode ser analisada através da teoria da bolha de ativos, sugerida por economistas como Hyman Minsky, que alertou para o perigo de períodos prolongados de crédito barato. Se o crédito for excessivamente acessível, os preços dos imóveis podem ser inflacionados artificialmente, criando uma bolha que, quando estourada, poderia prejudicar severamente a economia.
3. Crescimento Econômico e Riscos Estruturais
Do ponto de vista do crescimento econômico, a redução das taxas de juros pode fornecer um impulso, mas isso dependerá de outros fatores, como a confiança do consumidor e das empresas. A economia portuguesa, como apontam os economistas de linha keynesiana, precisa de um estímulo para aumentar a demanda agregada. O crédito mais barato pode ajudar nesse processo, mas questões estruturais, como o envelhecimento da população e a baixa produtividade, continuam a pesar sobre o crescimento.
Outro risco a ser considerado é a dependência de Portugal de importações de energia e bens de capital. Se o euro se desvalorizar significativamente como resultado dessa política monetária mais frouxa, os custos de importação podem aumentar, pressionando novamente a inflação. Sob a perspectiva de Mankiw, que sugere que os bancos centrais devem focar no controle de expectativas de inflação, o BCE terá que monitorar cuidadosamente esses impactos secundários para evitar que as expectativas inflacionárias se desancorem.
Considerações Finais: O Desafio da Flexibilização Monetária
A redução das taxas de juros pelo BCE reflete uma tentativa de encontrar um equilíbrio delicado entre o estímulo econômico e o controle da inflação. Sob a ótica das principais teorias econômicas, essa política pode trazer alívio a curto prazo para as famílias e empresas portuguesas, especialmente em relação ao crédito. No entanto, os riscos associados a uma flexibilização monetária prolongada não podem ser subestimados.
Monetaristas alertariam para o perigo de uma inflação futura, enquanto keynesianos enfatizariam a importância de manter a demanda agregada elevada. Ao mesmo tempo, economistas como Friedman nos lembrariam que, a longo prazo, a única maneira de garantir uma economia estável é controlar rigorosamente a oferta de moeda e manter as expectativas inflacionárias sob controle.
Para Portugal, o caminho à frente será complexo. Embora a redução das taxas de juros ajude a aliviar as pressões financeiras imediatas, questões estruturais, como o alto endividamento privado e público, continuam sendo desafios que precisam ser abordados para garantir um crescimento sustentável a longo prazo. O BCE, com sua abordagem “dependente dos dados”, precisará ajustar suas políticas de acordo com os desenvolvimentos econômicos, sem perder de vista o equilíbrio delicado entre crescimento e inflação.